quarta-feira, 31 de dezembro de 2008

Adeus



Se você me encontrar pela rua
não precisa mudar de calçada
Faz de conta que somos estranhos
e que nunca entre nós houve nada

Não precisa baixar a cabeça
pra não ver os meus olhos nos seus.
Passarei por você sem rancor, sem lembrar
que entre nós houve adeus.
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Adeus 2008, um ano de muita luta,  algumas promessas e vários desencontros. 

quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

CLARICE





Jamais consegui pensar em Clarice Lispector como (apenas) uma mulher. Ela sempre me pareceu alguém que transcende o gênero e se situa naquele andar-de-cima onde homens e mulheres deixam de sê-lo e se (con)fundem no estado pleno, ainda que impreciso, do Ser.

Foi no tempo em que eu buscava, estudando na Universidade, me tornar um historiador, que descobri Clarice em “A paixão segundo GH”, pouco depois dessa obra chegar às livrarias.

Assim começou nosso namoro mórbido (nem poderia deixar de ser mórbido, em se tratando dela), que eu condimentava com a poesia de Baudelaire.

Mas foi em “Perto do coração selvagem” que a tornei minha amante, mesmo sabendo que ela me seria uma amante infiel, posto que  jamais seria para ela o que ela se tornara para mim. E quando me perguntava a causa dessa atração fatal, me vinha sempre a mente a frase dela que se me tornara querida: “Liberdade é pouco. O que eu desejo ainda não tem nome”.

Por um bom tempo, acreditei (ou desejei) que aquilo que desejava, mesmo sem conseguir defini-lo, eu encontraria em Clarice. E se, não raro, deixava de entender o que ela escrevia, não me sentia abatido ou frustrado, antes pelo contrário, até porque “...entender é sempre limitado, mas não entender pode não ter fronteiras.”. Se ela confessava ser “...muito mais completa, quando não entendo”, eu fazia minhas suas palavras e tentava me satisfazer com isso.

Àquele tempo, eu também estava em processo de “coser pra dentro”, mas ardia de desejo voluptuoso de correr  descalço sobre o asfalto escaldante, despindo-me sempre que relampejava, para que nenhum trecho de meu corpo deixasse de ser molhado pelo temporal que haveria de vir.

Se Joana olhava as galinhas e pensava nas minhocas (há quem prefira observar formigas);eu me entregava a observar pessoas, buscando nelas aqueles pontos-de-contato comigo, aquilo que (segundo me fora ensinado) nos tornava iguais, irmanados na mesma condição humana. Mas as observava de longe, porque me parecia poder perceber melhor do que chegando perto (Caetano diria, bem depois, que “de perto ninguém é normal”).

Chegar perto de Clarice, tentar entender aquele quarto escuro (terror das crianças) onde ela existia ... nem pensar. Ninguém o conseguiria. Aliás, nem ela mesma: “Com todo perdão da palavra, eu sou um mistério para mim”.

Uma imensa geografia brasileira me separava dela, mas ainda que vivêssemos na mesma cidade e me fosse dado conhecê-la pessoalmente, acho que haveria de preferir me manter distante. Podia amá-la,  mas sabia que não conseguiria conviver com aquela mulher “irritável”, aquela senhora das palavras (arma terrível se usada para ferir).

Quando eu transava com Clarice, no leito dos livros que ela escrevia, por vezes a flagrava numa mentira. Todavia isso não me incomodava. Todo escritor (poeta ou romancista) precisa mentir, porque a mentira (ou uma “verdade inventada”) é inerente à criação. Por isso, quando ela dizia que gostava “de um modo carinhoso” do “malfeito, daquilo que desajeitadamente tenta um pequeno vôo e cai sem graça”, eu não a levava a sério. O alçapão de um escritor é se deixar seduzir pelas próprias palavras, sobretudo quando sugerem imagens impressionantes.

Então chegou o dia em que senti necessidade de fazer de toda a angústia existencial presente no mundo interior de Clarice (e no meu), plataforma para um “estar no mundo”  
Diante de “... enquanto eu tiver perguntas e não houver respostas... continuarei a escrever”, eu começava a preferir o dizer indignado de José Régio: “Se o que busco saber, ninguém me responde, por que me repetis: Vem por aqui?”

Estar com Clarice fazia de mim alguém ainda mais solitário do que sempre fui e, de repente, a frase de um cartaz numa passeata estudantil  -  “Só sente solidão quem não participa das lutas de seu tempo”  -  me sacudia para a realidade de minha época. Época de angústias mais concretas, expressa em gritos dos torturados nos porões da Ditadura Militar. Sem deixar de sentir, eis que se impunha fazer, por pouco que fosse, porém mais do que apenas vociferar contra a injustiça e a tirania, em mesas de bar regadas a “Cubra Libre”.

Aposentei Clarice em minha biblioteca. Não li seu último livro, “A hora da estrela”, agora tratado como seu romance mais famoso.  Como a amante que um dia acampou em meu coração e de lá nunca se foi inteiramente, eu a conservo como uma relíquia de meu passado, uma dentre outras saudades que eu, às vezes, gosto de ter.

Porém, mesmo tendo oficiado nossa “cerimônia de adeus” (parodiando Simone de Beauvoir),  nunca deixei de cultivar uma certa “claricefilia”. De alguma forma, ela se manteve sempre perto do meu “coração selvagem”. 
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Alvaro Rodrigues (nov/2008)

Publicado, originalmente, em "Cultura & Humanismo"
http://culturahumana.ning.com/group/clarice

terça-feira, 2 de dezembro de 2008

Belém 50


Numa tarde chuvosa na Belém dos anos 50, o fotógrafo registra a passagem, pelo Largo de São Brás,  de um ônibus construido no formato do dirigível alemão, Zeppelin.
 
Eram dois esses ônibus-zeppelins, percorrendo uma linha circular, um no sentido inverso ao outro.

Nunca houve ônibus como esses em nenhuma outra cidade do país.



O ônibus-zeppelin e uma carrocinha de leite,  usada pelos donos de vacarias, geralmente portugueses, para distribuir o produto de casa em casa, em garrafas (litros) de vidro deixadas nas janelas das residências, antes do alvorecer e no início da tarde.
 

sexta-feira, 21 de novembro de 2008

Gênio de concreto



Oscar Niemeyer é um dos símbolos (hoje diríamos, "ícones") culturais de minha geração. Um monumento do qual partilhamos a glória e que nos faz sentir orgulhosos de ser brasileiros.

Seu olhar distante e prescrutador, sua voz morna, pronunciando cada palavra separadamente (que o tempo foi tornando ainda mais pausada), podem enganar o observar incauto, que talvez não perceba, por trás delas, a firme determinação de um homem que sempre se manteve irredutivelmente fiel às suas convicções.

Marxista-leninista "de carteirinha", seu discurso político é, ainda hoje, exatamente o mesmo que um comunista fazia na metade do século XX - o que lhe confere uma certa condição anacrônica. No correr dos anos 80, quando Luís Carlos Prestes já pouco representava em nosso cenário de possibilidades políticas, lí uma entrevista dele onde, referindo-se a Prestes, ele não relutava em afirmar: "
Para mim, ele é o que sempre foi: o nosso Cavaleiro da Esperança" (referência ao título de um livro de Jorge Amado.

Niemeyer é um homem simples, que sempre negou a si mesmo a condição de gênio que os outros lhe atribuiram. Ao lhe indagarem sobre sua obra, ele responde, quase sempre: "
Eu apenas tiro aproveito das possibilidades maleáveis do concreto".

Ora, o que é um gênio senão aquele que sabe, melhor que os outros, identificar e aproveitar as "possibilidades" do meio em que atua?

Muitas são as obras que sua inteligência iluminada produziu, ainda que nem todas possam ser consideradas "geniais". Há mesmo quem não aprecie algumas delas. Em minha terra, Belém, é dele o "
Monumento da Cabanagem", que se insere no conjunto de suas "obras menores". Jocosamente, alguns paraenses referem-se ao monumento como "Niemeyer de porre".

A primeira vez que visitei Brasilia, mais do que os prédios da Praça dos 3 Poderes, eu quis ver de perto a igreja e, principalmente, o Memorial JK, então recém inaugurado. Neste, experimentei uma emoção que até hoje se mantem pulsante em mim. Foi na sala do esquife. Aqueles espaços amplos (para receber muitos visitantes), aquela luz mortiça, mal refletida nas paredes de granito negro, ovaladas e absolutamente nuas... como nua é toda a sala. Nada, além do esquife imponente, assentado no centro, e tendo apenas uma inscrição: "O Fundador". No silêncio daquele lugar prenhe de evocações, parece que se ouve o uivo distante do Tempo, ecoando na Eternidade.

Hollywood fabricou seu "Oscar" - uma estatueta para premiar os melhores do Cinema - que cineastas brasileiros, de mentalidade colonizada, aspiram um dia ganhar.
Não precisamos da estatueta yankee.
Temos um "Oscar" vivo: temos Oscar Niemeyer.
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(Alvaro Rodrigues/2008). Texto publicado, originalmente, em "Cultura & Humanismo"
http://culturahumana.ning.com/group/oscardaarquitetura
 
  

terça-feira, 4 de novembro de 2008

Poema egípcio

 Até onde se sabe, foi no período do Novo Império que surgiram os primeiros poemas de amor egípcios. Evidentemente, eles não tinha a forma lírica que nós conhecemos, nem eram rimados. Talvez tivessem um "ritmo", mas é difícil saber, porque desconhecemos qual era a pronúncia real da língua.
A linguagem era simples e direta, retratando a fala de um ou outro dos amantes, ou de ambos alternadamente, ou ainda de uma terceira pessoa, o "poeta". O poema seguinte, escrito por volta de 1300 a.C.,  faz parte do Papiro Harris 500, guardado no British Museum:

 
Ele:
É uma bebida inebriante para mim o ouvir a tua voz,
oh, magnífica do meu coração.
Vem. É a hora da eternidade que nos chega.

Ela:
Meu coração fica em suspenso quando estou em teus braços,
oh, dono do meu corpo,
e tu fazes aquilo que se espera.
Oh, sim, é doce a hora da eternidade.

   

domingo, 26 de outubro de 2008

Bênção celta


 

Voa Liberdade



(Desligue a música de fundo do blog, antes de acionar o vídeo)
 
VOA LIBERDADE
Composição: Mário Maranhão - Eunice Barbosa - Mário Marcos
Intérprete:   Jessé

Bezerra de Menezes - O médico dos pobres

  
Adolfo Bezerra de Menezes nasceu na antiga Freguesia do Riacho do Sangue (hoje Jaguaretama), no Estado do Ceará, no dia 29 de agosto de 1831.
No ano de 1838 entrou para a escola pública da Vila do Frade, onde, desde cedo revelou sua fulgurante inteligência. Com apenas 11 anos de idade já iniciava o curso de Humanidades e, aos 13 anos, conhecia tão bem o latim que ele próprio o ministrava aos seus companheiros, substituindo o professor da classe em seus impedimentos. Concluídos os estudos em sua terra natal, partiu para o  Rio de Janeiro, a fim de seguir a carreira que sua vocação lhe inspirava - a Medicina. 
   
Em novembro de 1852,  ingressou, como praticante interno, no Hospital da Santa Casa de Misericórdia. Doutorou-se em 1856, pela Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro. Em 1858, concorreu a uma vaga de lente substituto da Seção de Cirurgia da Faculdade de Medicina. Nesse mesmo ano, o mestre Manuel Feliciano Pereira de Carvalho, então Cirurgião-Mor do Exército, chamou-o para ser seu assistente, com o posto de Cirurgião-Tenente. 
  
Eleito vereador municipal pelo Partido Liberal, em 1861, teve sua eleição impugnada pelo chefe conservador Haddock Lobo, sob a alegação de ser médico militar. Com o objetivo de servir o seu partido, que necessitava dele para ter maioria na Câmara, resolveu afastar-se do Exército. Em 1867, foi eleito Deputado Geral, tendo ainda figurado numa lista tríplice para o Senado. 
Mas sua carreira política foi efêmera. Alvo de rudes campanhas de injúria, por parte de seus adversários, deliberou afastar-se da vida pública e dedicar-se a empreendimentos empresariais. Criou a Companhia Estrada de Ferro Macae-Campos, na então província do Rio de Janeiro. Posteriormente, empenhou-se na construção da via férrea de Santo Antônio de Pádua, pretendendo levá-la até o Rio Doce, desejo que não conseguiu realizar. Foi um dos diretores da Companhia Arquitetônica que, em 1872 abriu o Boulevard 28 de Setembro , no então bairro de Vila Isabel. Em 1875, foi presidente da Companhia Carril de São Cristóvão. 
  
Voltando a política, foi eleito vereador em 1876, exercendo o mandato até 1880. Foi ainda presidente da Câmara e Deputado Geral pela Província do Rio de Janeiro, no ano de 1880.aos pobres, repartindo com os necessitados o pouco que possuía. Conciliava essas atividades com um intenso trabalho assistencial em favor dos pobres, a quem procurava levar o conforto de sua palavra de bondade, o recurso da sua profissão de médico e o auxílio da sua bolsa generosa. 
Quando o Dr. Carlos Travassos empreendeu a tradução de "O Livro dos Espíritos", de Allan Kardec, ofereceu um exemplar, com dedicatória, a Bezerra de Menezes. No dia 16 de agosto de 1886, um auditório com cerca de duas mil pessoas da melhor sociedade, que enchia o salão de honra da Velha Guarda, ouviu, em silêncio, a palavra vibrante do eminente político e médico, proclamando sua plena adesão ao Espiritismo. E desde então, passou a escrever artigos em defesa do aspecto religioso da doutrina kardecista.
Demonstrada a sua capacidade literária no terreno filosófico, quer pelas réplicas, quer pelos estudos doutrinários, a Comissão de Propaganda da União Espirita do Brasil incumbiu Bezerra de Menezes de escrever, aos domingos,  em "O Paiz" , tradicional órgão da imprensa brasileira, dirigido por Quintino Bocaiúva, uma série de artigos sob o título "O Espiritismo - Estudos Filosóficos",  assinado sob o pseudônimo de Max. Esses artigos marcaram a época de ouro da propaganda espírita no Brasil, sendo publicados, ininterruptamente, de 1886 a 1893. 
Bezerra de Menezes tinha o encargo de médico como verdadeiro sacerdócio. Por isso, dizia que "Um médico não tem o direito de terminar uma refeição, nem de escolher hora, nem de perguntar se é longe ou perto, quando um aflito qualquer lhe bate a porta. O que não acode por estar com visitas, por ter trabalhado muito e achar-se fatigado, ou por ser alta noite, mau o caminho ou o tempo, ficar longe ou no morro o que, sobretudo, pede um carro a quem não tem com que pagar a receita, ou diz a quem chora a porta que procure outro, esse não é médico, é negociante de medicina, que trabalha para recolher capital e juros dos gastos da formatura. Esse é um infeliz, que manda para outro o anjo da caridade que lhe veio fazer uma visita"
Em 1893,  a convulsão provocada no país, pela "Revolta da Armada", provocou o fechamento de todas as sociedades espíritas. No Natal do mesmo ano, Bezerra encerrava a série de artigos que vinha publicando em "O Paiz" .
Em 1894, o ambiente demonstrou tendências de melhora e o nome de Bezerra foi lembrado como o único capaz de unificar a família espírita. O infatigável batalhador, com 63 anos de idade, assumiu a presidência da FEB, cargo que ocupou até 11 de abril de 1900, quando faleceu, vítima de violento ataque de congestão cerebral.
   
Devido ao seu espírito caridoso e prestativo, Bezerra de Menezes até hoje é lembrado como O Médico dos Pobres . 

quarta-feira, 15 de outubro de 2008

Na fonte clara


(Desligue a música de fundo do blog, antes de acionar o vídeo)

A la clair fountaine
Música infantil francesa, absolutamente sublime.
As imagens são cenas finais do filme "O Despertar de uma Paixão" (The painted Vei), co-produção EUA/China, de 2006, baseada na novela de William Somerset Maugham.

A la claire fontaine 
M’en allant promener
J’ai trouvé l’eau si belle 
Que je m’y suis baignée 

Il y’a longtemps que je t’aime  
Jamais je ne t’oublierai

Sous les feuilles d'un chêne
Je me suis fait sécher
Sur la plus haute branche
Le rossignol chantait 

Il y’a longtemps que je t’aime
Jamais je ne t’oublierai

Chante, rossignol, chante
Toi qui as le cœur gai
Tu as le cœur à rire
Moi je l’ai à pleurer

Il y’a longtemps que je t’aime
Jamais je ne t’oublierai

J’ai perdu mon ami
Sans l’avoir mérité
Pour un bouquet de roses
Que je lui refusais

Il y’a longtemps que je t’aime
Jamais je ne t’oublierai 


Je voudrais que la rose
füt encore au rosier
et que mon douce ami 
füt encore à m´aimer

Il y’a longtemps que je t’aime
Jamais je ne t’oublierai 
  

quarta-feira, 1 de outubro de 2008

Coração tardio

   
Meu coração tardou. Meu
coração,
Talvez, se houvesse amor, nunca tardasse;
Mas, visto que, se o houve, houve em vão,
Tanto faz que o amor houvesse ou não.
Tardou. Antes, de inútil, acabasse.

Meu coração, postiço e contrafeito,
Finge-se meu. Se o amor o houvesse tido,
Talvez, num rasgo natural de eleito,
Seu próprio ser do nada houvesse feito,
E a sua própria essência conseguido.

Mas não. Nunca nem eu nem coração
Fomos mais que um vestígio de passagem,
Entre um anseio vão e um sonho vão.
Parceiros em prestidigitação,
Caímos ambos pelo alçapão.
Foi esta a nossa vida e a nossa viagem.
                      
Fernando Pessoa

terça-feira, 30 de setembro de 2008

O semeador do bem

Era noite e Ele estava só.
Lobrigou, à distância, as muralhas de uma grande cidade e para ela se dirigiu. E, quando se aproximou, ouviu o tropel de folguedos, o alarido da alegria e o ruído ensurdecedor de muitos alaúdes.
Ele bateu no portão e os guardas abriram-lho.
E Ele viu uma casa de mármore, com belas colunas de mármore à sua frente. 
Ele entrou na casa e cruzou o vestíbulo de calcedônias e atingiu o salão de festins.
E viu, estendido sobre um leito de púrpura marinha, um homem cujos cabelos estavam coroados de rosas vermelhas e os lábios rubros manchados de vinho.
E Ele aproximou-se do homem, por detrás, tocou-lhe as costas, dizendo-lhe:
- Por que vives assim?
O homem, voltando-se, reconheceu-o e respondeu-lhe:
- Eu era leproso e tu me curaste. Como iria viver?
Ele deixou a casa e voltou à rua. Pouco depois, viu uma mulher cujo rosto e trajes eram coloridos e cujos pés estavam recamados de pérolas. Atrás dela, cauteloso como um caçador, caminhava um jovem usando túnica de duas cores. O rosto da mulher era tão belo quanto o rosto de um ídolo e os olhos do jovem faiscavam de sensualidade.
Ele seguiu o jovem e tocando-lhe na mão indagou:
- Por que olhas para essa mulher de tal maneira?
O jovem, voltando-se, reconheceu-o e retrucou-lhe:
- Eu era cego e tu me restituiste a vista. A quem mais eu poderia olhar?
Ele correu para adiante e, tocando no vestido colorido da mulher, perguntou-lhe:
- Não há outro caminho para trilhares que não seja o do pecado?
A mulher voltou-se e, reconhecendo-o, replicou-lhe:
- Tu perdoastes meus pecados e este é um caminho agradável.
Ele, então, afastou-se da cidade. E, quando a deixava, deparou-se-lhe, à beira da estrada, um homem a chorar. Ele apiedou-se do homem e, tocando nos seus cabelos, perguntou-lhe:
- Por que choras?
O homem ergue os olhos e, reconhecendo-o, respondeu-lhe:
- Eu estava morto e tu me ressuscitaste. Que farei agora senão chorar?
(Conto de Oscar Wilde)

domingo, 28 de setembro de 2008

O dia é hoje

DIÁRIO DE BORDO
Eu tenho (tinha) um amigo de quem, no passado, estive muito perto. As sinuosas e tortuosas estradas da vida tornaram nossos contatos pessoais cada vez menos freqüentes. Mas quando aconteciam, era sempre extremamente gratificantes. 

Nestes últimos três anos, planejei, várias vezes, revê-lo. Mas uma coisa aqui, outra coisa ali, foram transferindo a visita para amanhã.  Um amanhã sempre adiado. Um amanhã que nunca chegou. 

Ontem, afinal, eu fui à sua casa. Apenas para ser finformado de que ele falecera, alguns meses antes. E eu nem soube. 

Agora, fico entregue aos meus pensamentos soturnos, e me dou conta que, ao longo de todos esses anos, eu jamais lhe disse o quanto gostava dele, o quanto a sua amizade era importante para mim, ainda que acredito ter demonstrado isso com minhas atitudes. 

Por que será que temos tanta reserva (ou acanhamento) em expressar, com palavras, o que sentimos, preferindo fazê-lo através de gestos? 

Não basta a certeza de sermos amados. Gostamos, queremos e precisamos ouvir que o somos. E se gostamos, queremos e precisamos, o outro também gosta, quer e precisa. 

Quando adiamos para um amanhã indefinido o que poderíamos fazer hoje, arriscamo-nos a descobrir que esse amanhã não existe mais. E então, ficaremos com o gosto amargo do arrependimento pelo que deixamos de fazer. 

O ontem e o amanhã não nos pertencem. Temos apenas o dia de hoje. 
Logo, é hoje que devemos dizer o que queremos e precisamos dizer. É hoje que devemos expressar com palavras aquilo que nosso coração sente.  
É hoje que devemos dizer: Eu amo você!.  
Carpe diem


sexta-feira, 26 de setembro de 2008

Holocausto cigano


Por sua natureza nômade, os ciganos sempre foram mal vistos e, eventualmente, vítimas de preconceito e perseguições, em vários recantos do mundo. Mas nenhuma experiência passada pode ser comparada, em horror e desumanidade, àquela que esse povo viveu na Europa, durante os tempos sombrios do Nazismo, como se lê no texto abaixo, de Myriam Novitch, diretora do Museu dos Combatentes dos Guetos, fundado por um grupo de sobreviventes do Gueto de Varsóvia: 

O nazismo no século XX, retomou toda série de preconceitos, discriminações e perseguições dos séculos anteriores, tentando assim uma campanha de extermínio como nunca antes empreendida. Desde 1933, a imprensa nazista começou a acentuar que os ciganos e judeus eram raça estrangeira, inferior, e que teriam contaminado a Europa como um corpo estranho.

O primeiro grito de alarme oficial para o mundo cigano se fez ouvir a 17 de outubro de 1939, quando Heydrich, a mando de Hitler, proibiu-os de abandonar seus acampamentos. Nos três dias seguintes, após recenseamento, foram transferidos para campos de concentração, esperando serem enviados à Polônia.

Mas já em 1936 tinha começado para os ciganos a via sacra dos campos de concentração, ainda que com escopos diversos. Dachau foi um de seus primeiros campos de concentração. Eram internados com a qualificação de elementos associais. Sofriam então medidas disciplinares duríssimas.

Nesse ínterim a propaganda contra os ciganos se tornava sempre mais áspera. Em novembro de 1941 lançou-se o slogan: Depois dos judeus, os ciganos!

A 24 de dezembro de 1941, o governador civil Lohse envia uma ordem reservada a todas as SS, afirmando que os ciganos são duplamente perigosos, tanto pelas doenças de que são portadores como pela sua deficiência, prejudicando assim a causa nazista. Ao termo do comunicado, a decisão: Decidi portanto que sejam tratados como os judeus (Carta de 7 de julho de 1942, no arquivo Yivo).

Em outubro de 1941, chegaram a Lodz cinco mil ciganos, entre os quais mais de 2.600 crianças. Foram todos internados por grupos de famílias. Os testemunhos nos dizem que as janelas das barracas estavam quebradas, enquanto o inverno era extremamente duro. No campo não havia medidas higiênicas nem assistência médica. Duas semanas depois da chegada dos nômades, irrompeu uma epidemia de tifo, e em dois meses morreram mais de 6oo adultos e crianças. Os sobreviventes entre março e abril de 1942, foram deportados para Chelmo, e ali assassinados nas câmaras de gás.

Desde então até 1946 se multiplicam os testemunhos: massacres coletivos, mortes individuais, tortura de todo o tipo, experimentos químicos e médicos dos mais cruéis. E todas essas crueldades ocorriam nos diversos campos de concentração. Eis os nomes de alguns desses campos: Auschwitz, Birkenau, Mauthausen, Rabensbruch, Buchenwald, Chelmo, Lodz, Dachau, Lackenbach, Sachsenhausen.

Ao campo de Auschwitz chegavam ciganos de toda a parte. Homens, mulheres e crianças, sendo que estas últimas vinham da Boêmia, dos Carpatos, da Croácia, do Nordeste da França, da Polônia meridional e da Rutênia. Bárbara Richter, menina cigana, assim depõe: Até os prisioneiros mais afeitos a esses horrores sentiram enorme tristeza quando perceberam que os SS iam tirar um por um os pequenos judeus e ciganos, reunindo-os em um só rebanho. Os meninos choravam e gritavam, tentavam freneticamente voltar para os braços dos pais ou dos protetores que tinham encontrado entre os prisioneiros, mas envolvidos por um círculo de fuzis e metralhadoras, foram levados para fora do campo e enviado para Auschwitz, onde morreriam nas câmaras de gás.

No campo de concentração nem todos eram enviados à câmara de gás, muitos iam para os trabalhos forçados. No campo estas eram as condições: No setor cigano erguiam-se grandes cabanas com uma abertura à frente e outra atrás. Serviam como portas. Nos compartimentos internos achavam lugar a uma única mesa grande cinco ou seis pessoas. As condições higiênicas eram desastrosas quase não havia instalações sanitárias... Parecia um estábulo para cavalos, sem janelas... Os prisioneiros se moviam em meio a seus próprios dejetos até os calcanhares.

Respondendo a uma observação, por insuficiência de calorias, um oficial comentou: Mas no fundo são apenas ciganos!  Quem mais sofria eram as crianças... Como depôs alguém: As crianças eram pele e ossos. A pele, em conseqüência, se enchia de feridas infecciosas. Por causa da falta d'água, as crianças chegaram a beber água servida; nas poucas vezes em que os cobertores eram lavados, vinham de volta para a enfermaria ainda molhados. Elas sofriam de estomatite cancrenosa... parecia lepra...seus corpinhos iam se desfazendo, bocas espantosas se abriam nas faces, e lá dentro se podia observar a lenta putrefação da carne viva.

Só no campo de Aushwitz, os ciganos regularmente matriculados foram 20.933, incluindo 360 crianças nascidas no campo de concentração, e que viveram o bastante para receberem número de matrícula. A estes se devem somar mais de 1.700 ciganos mandados para a câmara de gás, assim que chegaram da Polônia em março de 1943, e que nem tinham recebido ainda o número de matrícula. Durante uma simulação de ataque aéreo noturno, foram todos mandados à câmara de gás, por suspeita de serem portadores de tifo.

Esses testemunhos, que poderiam se multiplicar quase no infinito, culminariam no massacre final, narrado por quem assistiu à matança de quatro mil ciganos, no começo de agosto de 1944: A sirena anunciou um princípio de um rigoroso toque de recolher. Os caminhões chegaram por volta das 20 h. Os ciganos tinham previsto o que estava para acontecer, mas os alemães fizeram de tudo para confundir as idéias: ao saírem dos acampamentos, os ciganos recebiam uma ração de pão e salame, e muitos assim acreditaram que se trataria simplesmente de transferência para outro campo.

Podíamos ouvir, quando os últimos e horríveis instantes, irromperam no acampamento e se lançaram contra mulheres e crianças e anciãos, alemães armados e auxiliados por cães. De repente o ar foi rasgado pelos gritos de um garoto que em theco suplicava: Eu lhe peço, senhor SS, me deixe viver! A única resposta que teve foram os golpes de cassetete. Por fim, foram todos jogados, em montes, no caminhão e levados ao crematório. Houve ainda quem tentasse resistir, invocando a nacionalidade alemã (Kraus e Kulka).

Houve cenas de cortar o coração: mulheres e crianças se ajoelharam diante de Mengele e Borger, gritando; Piedade! Tenha piedade de nós! Em vão. Foram abatidos a coronhadas, pisados, arrastados ao caminhão, levados à força. Foi uma noite horrível, alucinante. Na carroceria foram jogados os que também já tinham morrido sob os golpes da clava . Os caminhões chegaram ao bloco dos órgãos por volta de 22h30min e ao isolamento por volta de 23hs. Os SS e quatro prisioneiros levaram para fora os enfermos, mas também 25 mulheres em perfeita saúde, isoladas com os respectivos filhos (Aldesberger, p.112-13).

Por volta de 23hs chegaram outros caminhões diante do hospital, num só caminhão colocaram cerca de 50 a 60 presos e foi assim que chegaram até a câmara de gás. Ouvi os gritos até altas horas da madrugada, e compreendi que alguns tentavam opor resistência. Os ciganos protestavam, gritando e lutando até a madrugada... Tentavam vender a vida a um alto preço (Dromonski, no processo por Auscwitz).

Depois, Gober e outros percorreram os quartos um por um tirando dali as crianças que tinham se escondido. Os menores foram arrastados até os pés de Boger, que os agarrava pela perna e os jogava contra a parede...Vi esse gesto se repetindo-se umas cinco, seis e sete vezes(Langhein).

A certa altura aproximou-se de mim um oficial SS e mandou que escrevesse uma carta que tinha por assunto tratamento especial executado. Ele mesmo arrancou violentamente a carta da máquina, assim que terminei de datilografá-la. Quando se fez dia no acampamento, não havia de pé um só cigano (Testemunho Stenber-Longhein, 1965).

As estimativas mais próximas falam de ao menos meio milhão de ciganos mortos, mas sabemos que esses dados são inferiores às cifras reais, pois muitos foram mortos antes mesmo de serem matriculados.

terça-feira, 23 de setembro de 2008

Sexo e Cristianismo

 Impressionados pela liberalidade sexual e vocação orgiástica da elite romana,  os apologistas dos primeiros tempos do Cristianismo, inspirados pelos solitários eremitas e anacoretas, inauguraram uma política de completo repúdio ao sexo. Esse radicalismo - enfatizado pelas epistolas Paulinas - acentuou-se pela prática da abstinência carnal, transformando-se num atrativo tão forte para novos seguidores como o martírio dos crentes nas arenas romanas. 

Havia muito simbolismo atrás disso tudo. Não só a busca da perfeição atrás do "coração simples", mas uma nova visão do ser humano, na qual ele somente poderia manter-se na frescura com que saiu das mãos do criador, permanecendo puro ou intocado. 

O problema que enfrentavam os pregadores da nova fé era em relação ao casamento: como conseguir manter um dos princípios básicos do cristianismo, aceitos na forma do "crescei e multiplicai-vos", sem considerar a atração ou o prazer sexual?

Tentando resolver esse conflito, Agostinho, bispo de Hipona, no norte da África, terminou por gerar sua doutrina sobre o casamento, o sexo e a privação carnal. Donde viria - indagava ele - essa miséria que nos cerca, essa corrupção, essas heresias e a crassa maldade? Existia na sociedade - concluiu ele - uma mancha inapagável motivada pelo pecado original advindo do impulso sexual, que atormentava o homem até a morte. Essa era a maldição que acompanhava Adão e Eva e seus descendentes, desde a queda do Paraíso. 
  
Para Agostinho, foi a partir da danação dos nossos pais primevos que essa desgraça começou. Parecia-lhe que o casamento, a relação sexual e o Paraíso eram tão incompatíveis como o Paraíso e a Morte. Desse modo, a sexualidade permanecia como o indicador da queda do homem, do seu triste declínio da anterior situação angelical, fazendo com que deslizasse para baixo, para a natureza física, e desta para a sepultura. Aceitava que os casais deveriam gestar filhos, mas que o fizessem conscientes de estarem cometendo um ato de rebaixamento. Era algo necessário mas humilhante, que deveria ser praticado sob os acordes de uma intensa melancolia.

Dessa forma, Agostinho introduziu entre os cristãos uma definitiva nódoa de consciência culpada quando faziam sexo ou tinham sentimentos e impulsos prazerosos. Trouxe para dentro dos lares e para os leitos conjugais uma sombra de coisa maligna, de impureza, perversão e vício, que arruinou a vida de incontáveis casais, para quem o sexo passou a ser associado a um "presente do demônio", ou um discordium malum, um princípio de discórdia alojado no interior de cada um desde a Queda. 

Talvez uma das maneiras de entender-se essa obsessão de Agostinho em denunciar a sexualidade deve-se a ele ter sido um renegado do erotismo. Como todo abjurado das suas paixões sensuais pregressas, votou intenso ódio ao que, no passado, o atraiu, lamentando ter desperdiçado nele tanta energia. Ele mesmo não negou ter sido dominado na sua juventude por uma intensa voluptuosidade, pela lasciva, ao ponto de que, em determinado momento, quando pediu a Deus que o fizesse casto, acrescentou... "mas não ainda!"

                         Agostinho: de devasso a carrasco do sexo                        

Agostinho explicava a maldade como resultante desse tumor sensual e dissoluto existente em todos nós, provocador de uma desordem crônica nas nossas relações, que o tempo inteiro nos perturba com suas poluções, com seus sonhos inconvenientes, incestuosos e inconfessáveis. 
 
Foi contra isso que se mobilizou seu rival, Juliano, bispo de Eclanum que, depois de 418, embrenhou-se numa ruidosa polêmica com ele. Juliano mostrou-se indignado com as acusações de Agostinho ao sexo e ao casamento. Não podia conceber - explicou ele - que o ato necessário à nossa reprodução fosse algo demoníaco ou ter que ser praticado sobre o véu da vergonha e do enxovalhamento. Afinal, eram "impulsos do nosso corpos feitos por Deus". Nada poderia haver de sinistro numa relação sexual bem realizada e completa. Bem ao contrário, viu-a natural, saudável, como "o instrumento de eleição de qualquer casamento.... merecedor de censura apenas em seus excessos." 
  
Em várias cartas da sua imensa correspondência, Agostinho tentou amenizar as objeções de Juliano, procurando mostrar-se menos radical do que nos seus escritos anteriores. Porém, sabe-se que, para a posteridade, foi essa sua visão trágica da existência - de sermos os infelizes portadores perpétuos do pecado capital - (de origem paulina-agostiniana), que iria marcar, de uma maneira definitiva, o Cristianismo. 

E o sexo ficou, dali para sempre, visto como uma transgressão, como uma obscenidade... quiçá um ardil satânico para atormentar infinitamente a existência humana.

As freiras de Loudun


No  famoso caso da Freiras de Loudon, acontecido em 1633, Urbain Grandier aparece como o grande vilão. Afinal, ele era a autoridade superior daquela paróquia e andava envolvido em escândalos sexuais. 
  
Quando as freiras do Convento de Loudun apresentaram sintomas de possessão, ou histeria, o padre foi acusado de magia negra: o povo acreditava que ele era o responsável pelos fenômenos e o inquérito apurou que Grandier estaria associado a dois demônios, Asmodeus e Zabulon, para produzir os ataques.
  
Sessenta testemunhas fizeram acusações de adultérios, sacrilégios e outros crimes cometidos mesmo em recintos sagrados, dentro da Igreja.
 
O processo de Urbain Grandier foi marcado por contradições. 
Várias religiosas retiraram as denúncias e revelaram terem sido "instruídas" por superiores. 
  
O réu afirmou sua inocência, mesmo submetido a torturas, e manteve esta posição até o momento final, na fogueira. 
  
Nos meses seguintes à morte de Grandier, vários de seus acusadores morreram vitimados por doenças misteriosas e as freiras continuaram a padecer de convulsões.   

PACTO DE GRANDIER   

No processo jurídico-eclesiástico contra Urbain Grandier, acusado de enfeitiçar as freiras de Loudun, consta que uma cópia do pacto, um documento escrito foi encontrado entre os papéis do réu, devassados depois de sua prisão. 
  
O costume de formalizar tais pactos por escrito foi instituído a partir do século XII (anos 1.100); até então, a maioria dos "acertos" com o Diabo era feita oralmente, na base da confiança mútua na palavra. O trato mais comum garantia que riquezas e honras seriam providenciados pelo Demo que, em paga, receberia a alma do feiticeiro depois de sua morte. 
 
O contrato estipulava um prazo para o desfrute das benesses; findo o prazo, o cobrador infalivelmente apareceria para cobrar o preço acertado. 

O "contrato" de Grandier ainda existe. Foi redigido em latim, da esquerda para direita, assinado com sangue, por mais de um demônio, e se encontra na Bibliothèque Nationale, em Paris. Diz o texto: 

Meu Senhor e Mestre, tenho-o como meu Deus; prometo servi-lo enquanto viver e, desde esta hora, renuncio a todos os outros deuses e Jesus Cristo e Maria e todos os Santos do Céu e à Igreja Católica Apostólica Romana e a todo o bem e preces que possam ser feitos por mim. Prometo adorá-lo e prestar-lhe homenagem pelo menos três vezes por dia e fazer o máximo de mal possível e levar ao mal tantas pessoas quanto possível; renuncio de coração ao Cristo, ao batismo e a todos os méritos de Jesus Cristo; no caso de desejar mudar, dar-lhe-ei meu corpo e minha alma e minha vida como garantia, tendo entregue tudo isso para sempre sem qualquer vontade de arrependimento. Assinado: Urbain Grandier, com seu sangue.  


O pacto diabólico (Bibliothèque Nationale, em Paris)
 

segunda-feira, 22 de setembro de 2008

Post Scriptum


Quando nosso navio parte de Honolulu, penduram-nos ao pescoço "leis", que são grinaldas de flores, levemente odoríficas. O cais regurgita de povo e a banda toca uma derretida melodia havaiana. Os passageiros atiram serpentinas aos que ficam e a amurada do navio engalana-se toda com finas fitas de papel de cor alegre. Depois, quando navio começa a se afastar do porto, as serpentinas rompem-se com um leve estalido.

É como a ruptura dos laços humanos.

Homens e mulheres são momentaneamente unidos por uma fita de papel de cor alegre. Depois, a vida os separa e as serpentinas rompem-se com um leve estalido. Por algumas horas, seus fragmentos tremulam ao longo do casco, até que o vento os leva. As flores de nossa grinalda murcham e seu aroma se torna opressivo. Então, jogamo-las ao mar.
  
(W. S. Maugham - Post scriptum de "Histórias dos Mares do Sul")
 

domingo, 21 de setembro de 2008

Oráculo de Delfos

 Estima-se que o oráculo de Delfos tenha começado a funcionar ao fim do segundo milênio antes de Cristo, isto é, entre 1200-1100 a.C. , tornando-se célebre, entre tantas outras coisas, por ter previsto o fim do reino da Lídia e eternizando-se para sempre ao ser citado na peça de Sófocles “Édipo Rei”, onde informa ao personagem central que ele “mataria o pai e casaria com a própria mãe”. Não houve grego famoso naqueles quase mil e quinhentos anos de prática da vidência, que não lhe fizesse uma visita, tentado averiguar que futuro os aguardava. 

Fazem parte da sua galeria ilustre uma boa quantidade de generais e conquistadores, inclusive os comandantes romanos que ocuparam a Grécia no século II a.C. Consta que, depois da sua quase destruição ocorrida no século VI a.C., quando o templo foi reconstruído com dotações pan-helênicas, coube ao imperador Nero submeter o oráculo de Delfos e suas cercanias a um saque que lhe rendeu mais de 500 estátuas levadas depois para Roma. 

O local foi fechado finalmente pelo imperador Teodósio, em 385, quando o Cristianismo tornou-se religião oficial do Império Romano e o Paganismo passou a ser perseguido.

Porém, Delfos já se encontrava em total decadência bem antes de ser definitivamente fechado. Quando o  imperador Juliano, o Apóstata (331-363), mandou fazer uma consulta ao oráculo, dizem que a resposta enviada a ele pelos sacerdotes que ainda ali restavam foi: 
Diga ao rei isso: o templo glorioso caiu em ruínas; Apolo já não tem um teto sobre a sua cabeça; as folhas dos lauréis estão silenciosas, as fontes e arroios proféticos estão mortos.” 

quinta-feira, 18 de setembro de 2008

Réquiem para Chico Xavier



Ele queria morrer 
num dia em que o povo  estivesse feliz .  
Foi atendido.    

Na noite de 30 de junho de 2002, 
quando os brasileiros, eufóricos,
 comemoravam a conquista do 
pentacampeonato mundial de futebol, 
Francisco Cândido Xavier 
exalou, serenamente, seu derradeiro suspiro.    

Embora fosse o nome maior 
do Espiritismo nacional, 
ele estava acima das divisões sectárias 
e mesmo os cristãos mais dogmáticos  
de outras correntes, 
 sentiam-se acanhados em criticá-lo.   

Porque se ser cristão 
é devotar a vida ao seu semelhante, 
em permanente exercício 
de amor, humildade e tolerância, 
pouquíssimos foram tão cristãos 
quanto Chico Xavier. 

Em um tempo como o nosso,
tão  carente de grandes homens,
sua morte deixou a humanidade
um pouco mais órfã.

(Alvaro Rodrigues/2002)

  

terça-feira, 16 de setembro de 2008

Lírios e Rosas

 Ela recitou esta poesia de Álvaro de Campos numa festa pelo seu aniversário.  
Se  houvera escrito um poema que dissesse das coisas que lhe aqueciam  o coração, não haveria de ser muito diferente deste.  


Dá-me lírios, lírios,
e rosas também.

Mas se não tens lírios
nem rosas a dar-me,
tem vontade, ao menos,
de dar-me os lírios
e também as rosas.

Basta-me a vontade
que tens – se a tiveres –
de dar-me os lírios
e as rosas também.

  E terei os lírios
- os melhores lírios
e as melhores rosas  –
sem receber nada,
a não ser a prenda
da tua vontade
de me dares lírios
e as rosas também.

 

Internacionalização da Amazônia

Durante debate em uma universidade, nos Estados Unidos, o senador CRISTÓVAM BUARQUE, foi questionado sobre o que pensava da internacionalização da Amazônia. O estudante fez sua pergunta dizendo que esperava a resposta de um Humanista e não de um brasileiro.  
 
Esta foi a resposta do senador Buarque:   

"De fato, como brasileiro eu simplesmente falaria contra a internacionalização da Amazônia. Por mais que nossos governos não tenham o devido cuidado com esse patrimônio, ele é Nosso.

Como humanista, sentindo o risco da degradação ambiental que sofre a Amazônia, posso imaginar a sua internacionalização, como também de tudo o mais que tem importância para a humanidade. "Se a Amazônia, sob uma ética humanista, deve ser internacionalizada, internacionalizemos também as reservas de petróleo do mundo inteiro. O petróleo é tão importante para o bem-estar da humanidade quanto a Amazônia para o nosso futuro. 

Apesar disso, os donos das reservas sentem-se no direito de aumentar ou diminuir a extração de petróleo e subir ou não o seu preço. "Da mesma forma, o capital financeiro dos países ricos deveria ser internacionalizado. Se a Amazônia é uma reserva para todos os seres humanos, ela não pode ser queimada pela vontade de um dono, ou de um país. Queimar a Amazônia é tão grave quanto ao desemprego provocado pelas decisões arbitrarias dos especuladores globais. 

Não podemos deixar que as reservas financeiras sirvam para queimar países inteiros na volúpia da especulação.  Antes mesmo da Amazônia, eu gostaria de ver a internacionalização de todos os grandes museus do mundo. O Louvre não deve pertencer apenas à França. 

Cada museu do mundo é guardião das mais belas peças produzidas pelo gênio humano. Não se pode deixar esse patrimônio cultural, como o patrimônio natural Amazônico, seja manipulado e instruído pelo gosto de um proprietário ou de um país.

Não faz muito, um milionário japonês, decidiu enterrar com ele, um quadro de um grande mestre. Antes disso, aquele quadro deveria ter sido internacionalizado. 

Durante este encontro, as Nações Unidas estão realizando o Fórum do Milênio, mas alguns presidentes de países tiveram dificuldades em comparecer por constrangimentos na fronteira dos EUA. Por isso, eu acho que Nova York, como sede das Nações Unidas, deve ser internacionalizada. 

Pelo menos Manhattan deveria pertencer a toda a humanidade. Assim como Paris,Veneza, Roma, Londres, Rio de Janeiro, Brasília, Recife, cada cidade, com sua beleza específica, sua história do mundo, deveria pertencer ao mundo inteiro. 

Se os EUA querem internacionalizar a Amazônia, pelo risco de deixá-la nas mãos de brasileiros, internacionalizemos todos os arsenais nucleares dos EUA. Até porque eles já demonstraram que são capazes de usar essas armas, provocando uma destruição milhares de vezes maiores do que as lamentáveis queimadas feitas nas florestas do Brasil. 

Defendo a idéia de internacionalizar as reservas florestais do mundo em troca da dívida. Comecemos usando essa dívida para garantir que cada criança do Mundo tenha possibilidade de COMER e de ir à escola. 

Internacionalizemos as crianças tratando-as, todas elas, não importando o país onde nasceram, como patrimônio que merece cuidados do mundo inteiro. Como humanista, aceito defender a internacionalização do mundo.  Mas, enquanto o mundo me tratar como brasileiro, lutarei para que a Amazônia seja nossa. Só nossa!.