Descobri Charles Baudelaire numa edição resumida de As Flores do Mal, nas antigas e saudosas Edições de Ouro, da Tecnoprint Gráfica. Como se tratava de uma seleção, os editores a intitularam, muito apropriadamente, "Flores das Flores do Mal".
Tradução esmerada do "príncipe dos poetas", Guilherme de Almeida. Aliás, fiquei tão viciado nessa tradução, que jamais consegui gostar de outra. (Dá-se também com o Corvo, de Poe. Para mim, só Milton Amado, cuja tradução deixa "no chinelo" Fernando Pessoa, Machado de Assis e outros monstros sagrados).
Comparando com outras traduções, fica-me a certeza que Guilherme, melhor que os demais, conseguiu haurir o sumo, a seiva, o estro da poética sepulcral de Baudelaire. E a dedicatória que faz "à Lingua Portuguesa" , na apresentação da edição, é algo simplesmente inesquecível e que assim se encerra:
"À minha senhora e escrava,
senhora que amo e escrava que castigo,
à doce e rude Língua Portuguesa dedico
estas doentias flores alheias
que tentei fazer suas"...
"Doentias flores alheias" ... sim, doentias são as flores de Baudelaire ... flores do mal ... plantas carnívoras ... Sua poesia não quer encantar, quer chocar, machucar, ferir... Suas imagens são ácidas, cruas, cortantes, e mesmo quando fala da Beleza ele o faz como um carrasco que espera o condenado, empunhando a lâmina afiada.
Baudelaire namora a morte; sua poesia, não raro, rescende a cemitério, e ele faz amor dentro de um jazigo.
"O namorado arfante, enleando sua bela,
parece um moribundo acariciando a tumba".
"Hino à Beleza" é, para mim, a melhor flor de suas Flores do Mal.
"Que tu venhas do céu ou do inferno, que importa,
Beleza, monstro horrendo e ingênuo,
se de ti vem o olhar, o sorriso,
os pés que abrem a porta de um infinito
que eu amo e jamais conheci?"
Diante da Beleza "monstruosa" que Baudelaire proclama, até o Destino se curva:
"Sobes do abismo negro ou despencas de um astro?
O destino, servil, te segue como um cão,
semeias a desgraça e o prazer em teu rastro,
governas tudo e vais sem dar satisfação"
Para Baudelaire, não importa se essa beleza vem de Deus ou de Satã, não importa se é um anjo ou uma sereia, desde que seja capaz de tornar "a vida menos feia e os instantes mais breves".
Todos os poemas dessa edição parecem ter o propósito de advertir, seja essa advertência explícita ou velada: Não se contenham, não reprimam os anseios do coração. Porque a vida é curta, a morte é certa...
Leio Baudelaire e me recordo do aviso do Harpista egípcio que, milhares de anos atrás, recomendava ao seu senhor que alegrasse seu coração, que perfumasse o corpo com as essências mais caras, que untasse os cabelos com os óleos mais finos, que satisfizesse todos os seus desejos ... antes que chegasse "o dia da lamentação".
Fica aqui, pois, meus amigos, o recado e a advertência de Baudelaire: Carpe Diem enquanto lhes é possivel fazê-lo. Para que se não lhes abata, amanhã, um remorso póstumo:
"- E o verme te roerá como um remorso atroz."
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Alvaro Rodrigues (2009)
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