Durante um curso que eu estava ministrando, ocorreu-me promover, entre os alunos, uma pequena "enquete" sobre as origens do Homem.
O resultado me deixou estupefato.
A maioria esmagadora dos consultados manifestou-se pelo Criacionismo, sustentando que a espécie humana surgiu na Terra exatamente como está descrito no Livro do Gênesis, ou seja, por um gesto direto e instantâneo de IHWH (o áspero e implacável deus do Judaísmo, tornado padrasto dos cristãos). Detalhe: nenhum dos estudantes tinha idade superior a 30 anos.
Como é possivel que, em pleno século XXI, jovens de uma geração "independente", com amplo acesso à informação, admitam como realidade semelhante mito, é coisa que eu não ouso tentar explicar. Resta-me concluir que padres, pastores e rabinos estão sendo mais competentes (ou convincentes) que nós, professores.
Certamente, Gênesis é um livro fabuloso, sob todas as acepções que o termo comporta, mas sobretudo por ser um livro de fábulas, da primeira à última linha. Ele contem a resposta fantástica de um povo semita à questão que o Homem sempre se fez e ainda se faz: como foi que tudo começou? Questões como essa não podem ficar sem resposta. Se ela não existe, há de ser fabricada com a matéria-prima da Imaginação.
Por vezes, essa imaginação chega a extrapolar as fronteiras lógicas da questão proposta, como a de uma tribo do Amazonas, que além de conceber uma lenda para explicar o "começo de tudo", acrescentou outra para mostrar "o começo antes do começo".
Na concepção idealista de um povo campesino, que vive da agricultura e do pastoreio, o Paraíso Terrestre é um Jardim (ou, como alguns preferem, um Pomar), onde estão fincadas, entre outras, as árvores da Vida e do Conhecimento, ambas interditas ao usufruto humano (IHWH queria o Homem simples e ignorante). Por isso, quando a Criatura viola a interdição e prova o fruto do Conhecimento, adquirindo as noções de Bem e Mal, torna-se "como a divindade". Então, IHWH, preventivamente, a expulsa do Éden, antes que coma o fruto da Vida, e conquiste a imortalidade (Gn 3; 22).
Preventiva também é a atitude de confundir a língua dos construtores da Torre de Babel, que se haviam unido para edificar uma cidade. A tradição popular entende o episódio como um castigo divino a homens pretensiosos, que se dispunham, com a torre, a "tocar o céu". Na verdade, esse "tocar o céu" tem o mesmo sentido que hoje aplicamos a um edifício de muitos andares, chamado de "arranha céu" (Obviamente, ninguém admite que um edifício possa "arranhar o céu"). O que aqueles homens precisavam era de um prédio bem alto, capaz de orientar, visualmente, os que se afastassem, em demasia, do local das obras. Em suma, tudo quanto eles queriam era ficar juntos, porque haviam descoberto o enorme potencial da união, do trabalho coletivo, para o qual uma lingua comum era essencial. E foi isso que desencadeou a intervenção de IHWH: "Eis que o povo é um e fala a mesma língua; e isto é o que começam a fazer; e agora não lhes será privado tudo quanto intentem fazer" (Gn 11;6). Então, confundiu a língua dos homens, para que não se entendessem e se dispersassem (Gn 11;7).
Fábulas como essa, a exemplo da que narra o Dilúvio Universal, têm o traço inequívoco da rica tradição sumeriana, e devem ter sido absorvidas pelos israelitas à época do Cativeiro Babilônico.
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