Quando a vi ali sentada naquele chão de pedra, o corpo senil encostado à parede que um dia fora branca, fiz o que raramente faço: tirei do bolso umas moedas e coloquei-as na mão que ela me estendia.
E já me preparava para seguir meu caminho, quando fui tomado por um impulso irresistível e, antes que me desse conta do que fazia, ví-me sentado no chão sujo, ao seu lado.
Passei os olhos pela sua pele escura e encarquilhada, pelo rosto envelhecido, pelos cabelos sem brilho, e pelas mãos esquálidas... mas quando tentei chegar mais perto, ela se encolheu, assustada.
Tudo bem, senhora, compreendo sua surpresa. Eu também me surpreendo com coisas que faço ou sou capaz de fazer.
Não nos falamos, não nos dissemos nada. Deixei-me ficar ali, em silêncio, e acabei cerrando os olhos, não sem antes ver as pessoas que passavam e olhavam espantadas, não por ela - desprezado icone da miséria - mas por não entenderem o que um homem como eu estava fazendo ali.
Ora, pensem o que quiserem, pouco me importa. Não tenho que lhes dar explicações!
Com os olhos fechados, lancei-me nas ondas sinuosas do tempo. Revisitei os lugares de minha infância assustada, aquela sorveteria antiga onde eu comprava figurinhas para colar em albuns, e a escola onde conheci minha inesquecível paixão juvenil...voei nas asas da liberdade pelas manhãs ensolaradas de minha juventude, abraçado à namorada ideal, de longas madeixas e lábios de mel ... escalei serras ingrimes ao encontro do amor e desci pelos vales da desilusão e da saudade ... salivei o sabor de cânticos sagrados e profanos, que entoei como gritos primais, ecoados nas vastas dimensões dos meus sonhos ... até despencar no abismo infindável de minhas buscas, anseios e temores.
Não sei por quanto tempo estive fora de mim (ou mais dentro de mim). Sei apenas que, quando abri os olhos, estava sozinho.
Ela se fora, sem me dizer sequer seu nome.
(Alvaro Rodrigues/2008)
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