sábado, 30 de agosto de 2008

Drogas

A humanidade sempre usou drogas e os registros mais remotos parecem indicar que seu uso esteve associado, primitivamente, a rituais religiosos, como veículo capaz de conduzir uma pessoa a "outros níveis de consciência".

Um exemplo simbólico é a famosa (e fatal) "mordida" de Adão e Eva, no "pomo proibido" (descrita no Livro do Gênesis), que lhes teria aberto a percepção do Bem e do Mal, mas que lhes custou serem enxotados do Éden pelo terrível Yahweh.

Recentemente, o especialista em psicologia cognitiva, Benny Shanon, de nacionalidade israelense, pesquisador da Unversidade Hebraica de Jerusalém, afirmou que o principal profeta da religião judaica, Moisés, seria usuário de uma substância psicotrópica semelhante à Ayhuasca, conhecida no Brasil e outros países sul-americanos como "chá do daime". Ele admite que os Dez Mandamentos podem ter sido criados em um estado alterado de consciência do profeta. A afirmação foi publicada em um artigo na revista de filosofia "Time and Mind", causando intensa polêmica dentro e fora dos círculos acadêmicos israelenses.

Drogas são sedutoras e os seres humanos são ... seduzíveis.. Além disso, elas são parte integrante da "santíssima trindade", Sexo, Drogas e Rock-and-Roll, que tão bem simboliza o mundo que criamos com nossa tecnologia avançada e nossa comunicação globalizada.

Há muito os homens já descobriram que drogas como o Alcool (desde que evitado o excesso) tornam Eros mais "erótico"; parece que as drogas mais "modernas" fazem isso ainda melhor. Seriam, portanto, tão irresistíveis quanto o próprio sexo.

Reprimí-las com o emprego da força é uma missão fadada, de antemão, ao fracasso. Quando muito, isso as retém (parcialmente) nos subterrâneos do tráfico ilegal, alimentando o crime organizado.

Gostemos ou não, temos que aprender a olhar de frente essa realidade, e encontrar maneiras mais inteligentes e eficazes de lidar com ela.
alvaro rodrigues (agosto/2008)

O desafio do amor


"O Amor é forte como a Morte" (Cantar dos Cantares)

Os "Cantares" foram buscar no poder inexorável da Morte, a analogia para representar a força irresistível do Amor, diante da qual os humanos se sentem e se mostram frágeis, ainda quando o brilho dos olhos fale de Felicidade.

Fragilidade, medo ou receio é o que se sente diante de tudo quanto não se consegue controlar, aprisionar, dominar, seja o homem primitivo diante do fogo ou das feras, seja o homem moderno diante de frankensteins tecnológicos que ele próprio criou.

O medo de não ganhar ou o medo de perder está sempre presente na mochila do viajante que percorre a estrada do Amor. Antes, o medo de não agradar, de não conseguir conquistar o que o coração deseja; depois, o medo de vir a perder o que se lhe tornou tão caro.

Paradoxalmente, quanto maior é a certeza da conquista, maior é a temeridade de pô-la em risco, na forma de condutas tortuosas que poderão destruir o que tanto se deseja preservar. Quanto menor a (incômoda) sensação de fragilidade, maior esse deixar-se seduzir por jogos de azar.

O Amor pode ser uma dádiva (e certamente o é) mas é também um desafio, que demanda zelo, cuidados e disposição de luta, todos os dias, desde o raiar do sol até a derradeira hora da noite.

Luta contra inimigos externos mas, sobretudo, internos. Luta contra essa incrível capacidade entrópica do ser humano de fazer o mal a si mesmo, de destruir, em um minuto, o que levou anos para edificar.

Uma luta da qual poucos emergem vitoriosos, o que levou um escritor, de elevada sensibilidade, como Oscar Wilde, a proclamar:

"Todo homem mata aquilo que ama - ouçam todos.
Uns o fazem com um olhar de ódio,
outros com uma palavra de lisonja.
O covarde com um beijo,
o bravo com um punhal
"

(Da obra "A Balada do Cárcere de Reading")

- Alvaro Rodrigues (agosto/2008)

quarta-feira, 27 de agosto de 2008

Odiosa sensatez


Feminina gentileza


Já há algum tempo venho observando a maneira com que muitas mulheres têm conduzido sua vida. A causa de tantos comportamentos incoerentes e desencontrados seria irrelevante detalhar aqui: conquistas e mudanças que elas mesmas têm provocado em todo o mundo ao longo das últimas décadas – sejam as construtivas e dignas de méritos incontestáveis, sejam as deturpadas e equivocadas.

Mas meu intuito não é relatar a história e sim a essência da mulher; é falar da alma feminina e não dos estereótipos, máscaras e papéis que elas vêm utilizando para “garantir” seu espaço e demarcarem sua capacidade de ir além do esperado.

Infelizmente, feridas por regras patriarcais, muitas mulheres saíram do extremo da submissão em busca de seu real valor, mas se perderam. Assim, morrendo de medo de se sentirem novamente amarradas pelas rédeas do passado, insistem em renegar sua alma acolhedora, sua beleza encantadora, seu coração fértil, receptivo...

Neste momento, desejo enaltecer esse doce coração, provocar - no bom sentido - o desabrochar completo desta alma legitimamente sensível, terna, plena!

Que possamos, especialmente hoje e a partir de agora, baixar as armas, as defesas e as desconfianças... e simplesmente ser mulher – com todos os predicados que esse lugar nos cabe! Porém, não com um comportamento maquiado, afiado, dolorosamente sociabilizado. Proponho um comportamento autêntico, com direito à sua notável delicadeza, à doçura que tantas vezes é substituída pelo espírito de competição e comparação equivocada com os homens.

Que deixemos, enfim, de lutar por uma “igualdade” genuinamente impossível, que mais nos desvalorizaria do que enobreceria. Que passemos a assumir nossas maravilhosas e caras diferenças e atuemos decididamente a partir de nossa feminilidade essencial, preciosa, sublime. E que façamos isso, sobretudo, no exercício de conduzir as nossas relações, seja no âmbito profissional ou pessoal.

Desejo que nós, mulheres, recuperemos nossa capacidade de sedução e envolvimento – no sentido mais amplo dessas expressões – sem, contudo, termos de agir como os homens. Não somos homens. Não somos melhores nem piores. Somos mulheres, somos o feminino divinamente complementar do masculino e vice-versa.

Não precisamos de igualdade, apenas de nossa singularidade. Portanto, sugiro que sejamos firmes, justas e produtivas, mas sem nunca renegarmos nossa natureza criadora e criativa. E com certeiros atos, que possamos, de fato, conquistar o mundo.

Porém, não falo de uma conquista cujo adversário se chama homem! Não precisamos de adversários, mas de companheiros, aliados, protetores e amigos. Quando proponho que nos comportemos femininamente, estou sugerindo o exercício da lucidez feminina, da capacidade que temos de conciliar e compreender, de um gesto que perdoa, um abraço que envolve, de uma conduta que nutre e floresce o que está ao seu redor...

Sei que muitas mulheres são subjugadas e até desvalorizadas em seu ambiente de trabalho e até mesmo em suas relações afetivas; sei que muitas delas não encontram espaço para sua expressão máxima e contundente. Por isso mesmo, hoje especialmente, quero defender a urgência do deixar-ser e levantar a bandeira em nome do SER MULHER!

Que todos nós possamos reconhecer o feminino que há em cada um, o feminino Gaia, o feminino que gera e dá à luz tudo o que é vivo... para que o mundo seja salvo da agressividade, do abandono e da carência profunda de afeto que vem sofrendo!

A gentileza é feminina!


segunda-feira, 25 de agosto de 2008

Pequenos tiranos

Pequenos tiranos são piores do que os grandes.

Porque os grandes, pelo menos, hão de ter (ou ser) algo grandioso, até para se tornarem grandes tiranos. Os pequenos nem isso têm.

A arrogância e a crueldade com que tratam os fracos e desprotegidos é inominável.

Como cruzados empenhados numa missão sagrada, paladinos armados com tecnologia de ponta ... sepulcros caiados, com sua beleza asséptica e vigor turbinado por drogas e anabolizantes, eles trocam entre si medalhas, concretas ou virtuais, enquanto desabam seus podres poderes sobre quem ergue a fronte acima da multidão homogênea.

Por serem minúsculos, como insetos, quase sempre deixamos de percebê-los, salvo quando nos incomodam com seus ferrões venenosos e traiçoeiros.
  

Beleza de ouro

Enfim, as meninas do volei conquistaram o ouro olímpico.

Acusadas de "amarelar" nos jogos decisivos de Olimpíadas passadas, desta vez elas amarelaram o ginásio chinês com as cores de seus uniformes e de nossa bandeira. E, como não poderia deixar de ser, quebraram o protocolo da cerimônia de premiação, como Vampeta dando cambalhotas na rampa do Planalto, diante do olhar abestalhado de FHC.

Não poderia deixar de ser assim porque elas são, acima de tudo, brasileiras, com essa informalidade, quase irreverente, e uma alegria expontânea e contagiante (quase moleque) que nenhum outro povo do mundo tem, e que deixa os estrangeiros entre a estupefação e o encantamento.

Nossas mulheres do volei são campeãs olimpicas...!

E ... cá pra nós ... que mulheres...! Brancas, morenas, louras, negras ... todas belas, vistosas, com aquele molejo nos quadrís que acentua nádegas cobiçadas por "gregos e troianos", e o sorriso fácil, largo e naturalmente sensual.

Os homens brasileiros são privilegiados!

No entanto, ainda há os que pagam caro pra ver "beldades" estrangeiras em fotos (escandalosamente retocadas) de revistas especializadas...

Desprezam o céu que lhes está perto, para irem "ao inferno à procura de luz" (como cantava Lupicínio).
- Alvaro Rodrigues (agosto/2008)

sábado, 23 de agosto de 2008

Morales referendado

Com 60% dos votos, Evo Morales venceu o referendo de 10 de agosto, que lhe garantiu a continuação de seu mandato presidencial.

O apoio a Morales veio, principalmente, dos Departamentos (o equivalente aos nossos Estados) localizados nas terras altas do país, onde vive a população mais pobre de toda a América do Sul. Mas o Referendo também confirmou em seus cargos os governadores dos Departamentos mais ricos, localizados a leste e ao sul, onde se concentra a oposição ao governo Morales.

Aparentemente, o Referendo não alterou o equilíbrio de forças que se digladiam na Bolívia, porém o jornalista Clóvis Rossi, em sua coluna na "Folha de São Paulo", chama a atenção para o detalhe que Evo Morales obteve cerca de 10 pontos percentuais acima do que conquistou na eleição presidencial de 2005. Isso significa que, atualmente, há mais bolivianos que o aprovam do que havia quando ele se candidatou à presidência.

Com a vitória no Referendo, ele ganha, no mínimo, o direito de cobrar da oposição o comportamento democrático que ela reclama, especialmente de seu mais forte adversário, o governador de Santa Cruz de la Sierra, Rubéns Costa, que passou a maior parte da camanha plebiscitária chamando Morales de "macaco", numa alusão racista à origem indígena e humilde do supremo mandatário do país.

Como diz Clóvis, se Evo Morales é macaco, a maioria da população boliviana também o é. E, numa democracia, maioria ganha eleição.

quinta-feira, 21 de agosto de 2008

Crepúsculo

Quando chega o crepúsculo
e os derradeiros raios de sol
enrubecem a terra,
nós voltamos ao ninho
que construímos tão sozinhos
com nossa vontade
com nossas mãos
com nosso labor.

E quando o manto da noite
apaga o último raio de luz
no horizonte distante,
nosso olhar fulge no escuro
com nosso desejo
com nosso anseio
com nosso amor.

- Alvaro Rodrigues (agosto/2008)

terça-feira, 19 de agosto de 2008

Decálogo Equinox








I
Acredita em DEUS;
Acredita na VIDA;
Acredita em TI.
II
Conscientiza-te de que és um agente ativo no eterno PROCESSO DIVINO DA CRIAÇÃO.
III
Conduz tua vida pelas veredas da DIGNIDADE MORAL.
IV
Pratica o AMOR e busca o CONHECIMENTO, pois estas são as chaves que te abrem as portas do PROGRESSO.
V

Acumula os tesouros do SER, porque somente eles levarás contigo quando deixares este mundo.
VI
Semeia a PAZ sem ignorar que ela só viceja em solo adubado pela JUSTIÇA.
VII
Zela pela SAÚDE de teu CORPO FÍSICO, pois ele é o instrumento de que dispões para agir sobre este mundo.
VIII
Cuida dos RECURSOS NATURAIS que sustentam a vida na TERRA, usando-os com sabedoria.
IX
Respeita todas as FILOSOFIAS e DOUTRINAS, mas não te escravizes a nenhuma delas.
X
Esforça-te para legares a teus descendentes um MUNDO MELHOR.

sábado, 16 de agosto de 2008

Trapalhada na Wikipédia

Recentemente, o arraial da Wikipédia lusófona ficou incrivelmente assanhado com a edição de um texto intitulado "Activismo Pró-Pedófilo" (ver aqui ) , postado por um lusitano, onde se apresentam os argumentos sustentados por um movimento existente sobretudo na Europa, genericamente denominado "Childlove Movement".

O aparecimento do texto desencadeou uma onda histérica de revolta moralista, por parte de alguns editores da Wiki, empenhados em apagar, pura e simplesmente, o "pecaminoso" texto, acusado de fazer apologia de algo ilegal (além de imoral). Houve até quem se prestasse a empreender uma cruzada, em nome da "Moral e dos Bons Costumes", batendo à porta das Páginas de Usuários dos editores, pedindo voto para a eliminação.

Ocorre que o texto não é apologético, como podemos constatar acionando o link acima. Ele apenas informa sobre algo que existe (gostemos ou não), enquadrando-se, por conseguinte, nos propósitos enciclopédicos da Wikipedia. Tanto assim é que, ao contrário do acanhado texto em português, o assunto é tratado com abundância de palavras na Wiki anglófona (ver aqui), onde até se exibem links e imagens de símbolos de organizações que defendem a revisão dos conceitos e do tratamento legal aplicados à Pedofilia. E não é muito diferente o que se encontra nas Wikipedias de língua francesa (ver aqui) e espanhola (ver aqui).

A ausência de um motivo indiscutível para a remoção do texto "herético", gerou um impasse do qual nossa comunidade wikipediana não soube sair de um modo inteligente. Em meio à histeria coletiva, mal se ouviram as poucas vozes sensatas que se apresentaram.

O tema acabou sendo submetido a uma espécie de "Tribunal da Santa Wikipedia", mas os "torquemadas" lusófonos foram tão trapalhões no encaminhamento da matéria que, embora grangeando o apoio da maioria dos eleitores, não conquistaram o índice indispensável para acender a fogueira onde o texto seria queimado.

O resultado é que ele continua lá, enfeitado por um catatal de avisos e alertas, um dos quais (mais tarde removido) advertia que o conteúdo do texto "não representa a opinião da Wikipédia", como se uma enciclopédia pudesse ou devesse ter "opinião" sobre o que quer que seja.

O que ocorreu na Wikipedia, ilustra bem a dificuldade de se lidar com temas extremamente "sensíveis", de um modo equilibrado, isento e sensato. Pedofilia, drogas, aborto, eutanásia, pena de morte e casamento gay são alguns desses temas que, por sua natureza controvertida, prestam-se a ser usados como bandeiras de intolerância nas mãos de fanáticos.

- Alvaro Rodrigues (agosto/2008)

quarta-feira, 13 de agosto de 2008

Lilith, a primeira mulher de Adão


Quem se debruça atentamente sobre o texto do Gênesis para ler o mito hebraico da criação do Homem, há de perceber a presença de duas narrativas distintas. No capítulo 1 do livro, IHWH cria, no "último dia da Criação", o primeiro casal de humanos: homem e mulher são criados juntos, num mesmo momento, da mesma maneira. No capítulo 2, o homem é criado primeiro, enquanto a mulher só nasce posteriormente, a partir de uma costela do macho.

Alguns estudiosos judeus tentaram explicar a contradição sugerindo que o Gênesis mostra ter havido duas criações: na primeira, IHWH criou os seres humanos em geral; na segunda, criou um homem especial, seu predileto, do qual derivou a "raça adâmica", ou seja, os hebreus. Mas os historiadores que pesquisam a chamada História Bíblica, preferem identificar nessa incongruência a presença de duas fontes diferentes, que se teriam amalgamado no Livro do Gênesis.

Essa é uma explicação razoável e muito se poderá dizer em seu favor. Mas há outra possibilidade, não menos aceitável, que dispensa o apelo a uma "segunda fonte".

MUTILAÇÃO DE UM MITO
Da mesma forma como um fato real pode vir a se converter em um mito, por força de metamorfoses que a transmissão oral produz na história original, o próprio Mito pode também ser vítima de mutilação, mediante acréscimo, modificação ou supressão.

Encontramos um bom exemplo desse processo na lenda do Rei Artur.Muito provavelmente, a saga desse herói deriva de um personagem real, que teria vivido na Bretanha, nos obscuros anos de transição entre o domínio romano e o estabelecimento dos reinos anglo-saxões.

Todavia seus feitos foram fantasiados de tal modo que o "Artur histórico" se perdeu e, hoje, é uma tarefa talvez impossível (ainda que fascinante) tentar resgatá-lo.

INCOERÊNCIA
Diz o Gênesis em seu capítulo 1, que o Deus Eterno (IHWH), após ter criado o céu, a terra, as estrelas, etc, cria os seres viventes: os peixes, as aves e os animais, segundo a sua espécie. A todos eles dá um comando: "Frutificai e multiplicai", o que implica em acasalamento e reprodução. Infere-se, portanto, que esses seres foram criados aos pares: macho e fêmea, de cada espécie.

Com o Homem não é diferente. No "dia sexto", ele é criado, à imagem de Deus segundo a sua semelhança, cabendo-lhe frutificar, multiplicar-se, encher a terra e subjugá-la. Neste ponto, o Gênesis é explícito: "... à imagem de Deus o criou; macho e fêmea criou-os".
O primeiro capítulo do livro se encerra com IHWH vendo que era bom tudo quanto havia feito. E até então, a narrativa apresenta-se coerente.

A incoerência se instala no capítulo 2. Além de esclarecer que "formou o Eterno Deus ao homem, pó da terra (2), e soprou em suas narinas o alento da vida", Gênesis diz que, inicialmente, apenas o macho humano é criado e colocado no Jardim do Éden, contrariando a lógica contida no capítulo anterior. A fêmea só aparece na narrativa quando IHWH se dá conta de que não é bom que esteja o homem só (3). Então, fazendo-o cair em um sono pesado, toma-lhe uma de suas costelas (Gn 2,21) e dela faz a mulher.

Mas essa incoerência pode ser apenas aparente, se admitirmos que entre o primeiro e o segundo relato houve supressão de uma parte da narrativa, que a tornava coerente.
Que parte era essa? O que ela continha?

PERGUNTAS INCÔMODAS
Quando IHWH criou Eva, da costela de Adão, e a levou ao homem, este a recebeu dizendo:"Esta vez é osso dos meus ossos e carne da minha carne" (Gn 2,23).

Esta vez ...? Por que "ESTA vez"? Teria havido uma OUTRA vez? Teria havido uma vez em que a mulher não era "osso dos meus ossos e carne da mnha carne"? Em outras palavras, teria havido uma mulher que não fora feita a partir do homem?

Ora, se IHWH decidiu criar o homem só (apenas o macho da espécie), por que resolveu, depois, dar-lhe uma companheira, contrariando seu próprio designo original?
Por que IHWH refletiu que "não é bom que o homem esteja só" (Gn 2,18), após tê-lo assim criado, se ao cabo dos 6 dias da Criação, ele (IHWH) havia visto tudo quanto fizera "e eis que era muito bom" (Gn 1,31) ?
Como seria possivel ao homem, sem a fêmea de sua espécie, cumprir a ordem divina: "frutificai e multiplicai-vos" ?

Essa perguntas parecem ser irrespondíveis, salvo se nos despreendermos do enfoque apriorístico que costumamos aplicar ao estudo do Gênesis.

Vamos, pois, colocar a questão de outra forma, enfocando-a sob outro prisma.Podemos começar nos perguntando: E se, na verdade, IHWH jamais tenha criado o homem só? E se jamais tenha pretendido que ele (o homem) ficasse só?

É preciso observar que Gênesis 2,18 não diz que o homem ERA só; diz que ele ESTAVA só.
O fato do homem estar só, não implica, necessariamente, que ele tenha estado sempre só, pois sua solidão poderia ser circunstancial, expressando uma condição de momento. Logo, poderia ter havido um tempo, anterior àquele, em que o homem não estava só.

RESPOSTA CHOCANTE
Se antes ele não estava só, haveria o homem de ter tido uma companheira.Mas que companheira seria essa, se a primeira mulher só foi criada depois, a partir da costela do homem, ou seja, osso de seus ossos e carne de sua carne?

A resposta é óbvia.A mulher (Eva) que IHWH criou, a partir da costela de Adão, não foi a primeira companheira do homem.Houve uma anterior a ela, e que foi, verdadeiramente, a primeira mulher.

Uma mulher criada antes de Eva ? Quem? Só pode ser aquela que foi criada junto com o homem, no dia sexto da Criação, conforme descrito em Gênesis I: "Macho e fêmea os criou".Essa mulher não era Eva. Era outra.

Por isso Adão, ao receber Eva, exclama: "Esta vez é osso dos meus ossos e carne da minha carne". Isso porque a primeira mulher que recebeu não era osso de seus ossos nem carne de sua carne. Não fora criada a partir dele, mas do mesmo modo que ele, do "pó da terra".

O relato de Gênesis I é coerente. Todos os "seres viventes" são criados aos pares (macho e fêmea), segundo sua espécie, até para que se lhes tornasse possivel frutificar e multiplicar-se. Por que com o ser humano haveria de ser diferente?
Assim, sendo homem e mulher criados juntos, infere-se que o homem teve uma companheira desde o dia em que nasceu.

Por que, então, em Gênesis II, ele aparece só, sem achar "uma companheira frente a ele"? (Gn II,20) Que teria acontecido com a primeira mulher, criada junto com homem, e que não era osso de seus ossos?
Teria morrido, deixando Adão viúvo e solitário?

A resposta é outra e mais chocante.
Adão ficou só porque sua mulher se foi. O casal se separou.
Em suma, o primeiro casamento da História terminou em divórcio.

LILITH
Tanto o mito da Criação quanto as demais narrativas fabulosas incluídas no Gênesis, guardam o traço inequívoco da rica tradição sumeriana, que se irradiou por todo o mundo mesopotâmico (com as devidas adaptações), enriquecendo as culturas que se desenvolveram naquela região, inclusive a babilônica, de onde deve ter sido absorvida pelos hebreus.

Portanto, é para a Suméria que devemos nos voltar, quando buscamos as origens da lenda de Lilith (aliás "Lilu", aliás "Ardat Lili", aliás "Lamaschtu"), um aspecto do culto à "Grande Deusa", cujas raízes nos remetem a um tempo remoto, de predominância matriarcal.

Em sua versão hebraica, Lilith se converteu na primeira mulher de Adão, criada junto com ele por IHWH, no sexto dia da Criação.

Roberto Sicuteri, autor da obra, "Lilith, a Lua Negra", é um dos que afirmam ter sido à época da transposição da Versão Jeovística da Bíblia para a versão Sacerdotal, que a lenda de Lilith foi expurgada do Gênesis, deixando uma lacuna que tornou contraditórios os capítulos I e II daquele livro. Ainda assim, sobraram alguns vestígios no texto canônico, a exemplo do que se lê no Livro de Isaias (Is 34:14).

Expulsa da Torah, a lenda de Lilith sobreviveu no Talmud, no Alfabeto de Ben Sira, e na Cabalah, ainda que mutilada por um progressivo processo de aviltamento da personagem. Na Idade Média, ela se integrou ao imaginário cristão, por força da popularidade de um texto hassídico, "Zohar - o livro do explendor" (século XIII), tida com uma das mais importantes obras do esoterismo cabalístico.

CONFLITO CONJUGAL
Diferente da pacata Eva (que haveria de substituí-la), Lilith era uma mulher voluntariosa e rebelde, que reinvidicava igualdade de direitos em relação ao homem.
Quando o casal copulava, ela contestava o fato de ficar sempre por baixo, suportando o peso do esposo. "Por que devo deitar-me embaixo de ti? Por que devo abrir-me sob teu corpo? Por que devo ser dominada por ti, se também fui feita de pó e por isso sou tua igual"?

A essas questões, Adão respondia alegando haver uma "ordem" que não podia ser transgredida, segundo a qual o macho deve dominar a fêmea, para que se preserve o equilíbrio preestabelecido por Deus.

Indignada com o "machismo" do marido, Lilith decidiu abandoná-lo, retirando-se do Jardim do Éden e indo viver às margens do Mar Vermelho. Inconformado, Adão denunciou o comportamento da esposa ao Eterno, que destacou três anjos (Semangelaf, Sanvi e Sansanvi) para trazê-la de volta. Mas Lilith se recusou a voltar, sendo amaldiçoada pelos anjos: ela jamais teria filhos, pois todos os que concebesse morreriam logo após o parto.

O mito de Lilith, em sua versão hebraica, é vigoroso e fascinante, sendo razoavelmente possivel reconstituir as mutações progressivas que sofreu ao longo do tempo, e que terminaram por converter a primeira mulher criada por IHWH em uma figura diabólica (*).

RECONSTRUÍNDO O GÊNESIS
Com a inclusão da história de Lilith, desaparece a incoerência entre os capítulos I e II do Livro do Gênesis, viabilizando a seguinte leitura do mito da Criação:
1 - No sexto dia, IHWH cria o primeiro casal de humanos (Adão e Lilith): "macho e fêmea os criou".
2 - Lilith não aceita ser dominada pelo marido e o abandona, deixando o Éden.
3 - Inconformado, Adão queixa-se a IHWH, que manda três anjos no encalço de Lilith, com ordens para trazê-la de volta.
4 - Lilith nega-se a voltar e é amaldiçoada pelos anjos.
5 - Solitário, Adão vaga pelo Éden sem achar "uma companheira frente a ele".
6 - IHWH apieda-se de Adão e resolve dar-lhe outra esposa.
7 - Para garantir que a nova mulher (Eva) será submissa e dependente do homem, IHWH fá-la nascer de uma costela de Adão.
8 - Ao receber sua segunda companheira, Adão mostra-se aliviado: "Esta vez é osso dos meus ossos e carne da minha carne".

(*) Unido-se a um demônio (Samael), Lilith busca vingança contra Adão. Disfarçada de serpente, induz Eva a comer do "fruto proibido", provocando a ira de IHWH sobre o segundo casal. Na Europa Medieval, ela se converte em "súcubo", que além de assediar os homens durante o sono, vitima as mulheres grávidas, matando seus bebês no momento do parto. Para conjurá-la, escrevia-se nas paredes do quarto da gestante: "Adão e Eva, menos Lilith".

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Este texto deriva de uma palestra proferida pelo autor deste blog, em 2001, na Loja da Ordem Rosacruz AMORC, em Belém-PA. Está também publicado no sítio Kaderno

Darcy


quinta-feira, 7 de agosto de 2008

A pergunta

Vídeo: Aqui (youtube)

Há perguntas que fazemos, e não sabemos a resposta.
Há perguntas que ficam sem resposta,
até quando já não mais nos importa saber a resposta.


Je ne sais pas qui tu peux être
Eu não sei o que podes ser
Je ne sais pas qui tu espères
Eu não sei o que esperas
Je cherche toujours à te connaître
Eu procuro sempre te conhecer
Et ton silence trouble mon silence
E o teu silêncio perturba o meu silêncio
Je ne sais pas d'où vient le mensonge
Eu não sei de onde vem a mentira
Est-ce de ta voix qui se tait?
Será de tua voz que se cala?
Les mondes où malgré moi je plonge
Os mundos onde mergulho contra a minha vontade
Sont comme un tunnel qui m'effraie
São como um túnel que me assusta

De ta distance à la mienne
Da tua distância à minha
On se perd bien trop souvent
Perde-se muito frequentemente
Et chercher à te comprendre
E procurar te compreender
C'est courir après le vent
É como correr atrás do vento

Je ne sais pas pourquoi je reste
Eu não sei porque continuo
Dans une mer où je me noie
Dentro de um mar onde me afogo
Je ne sais pas pourquoi je reste
Eu não sei porque continuo
Dans un air qui m'étouffera.
Nesse ar que me asfixia.

Tu es le sang de ma blessure
Tu és o sangue de minha ferida
Tu es le feu de ma brûlure
Tu és o fogo que me queima
Tu es ma question sans réponse
Tu és minha pergunta sem resposta
Mon cri muet et mon silence...
Meu grito mudo e meu silêncio...

domingo, 3 de agosto de 2008

A incoerência de Fidel

Hoje, quando personalidades de projeção internacional advertem que a questão dos alimentos pode conduzir a uma crise econômica mundial, é bom lembrar que um dos primeiros (senão o primeiro) a alertar para essa possibilidade não foi um respeitado economista ou algum governo de maior importância: foi Fidel Castro.

Aliás, este foi o motivo que o levou a se manifestar contrário aos projetos de bio-combustíveis, numa proclamação espantosa, que se chocou com os interesses do governo brasileiro e, senão esfriou, pelo menos amornou, suas relações com o governo Lula.

Falo que sua proclamação foi espantosa porque sendo Cuba, como é, grande produtora de cana de açucar, seus interesses econômicos haveriam de levá-la a apoiar (e se beneficiar) do projeto Eutanol. Colocar-se contra o projeto, pareceu ser uma decisão incoerente e incompreensível.

Como Fidel há muito não é levado a sério (na verdade, ele é ridicularizado), ninguém se preocupou com seu alerta e a imprensa internacional eximiu-se de amplificá-lo. Somente quando outros, mais "respeitáveis", passaram a falar a mesma coisa, foi que o mundo parou pra ouvir.